14 de out. de 2009

Reflexões sobre um Nobel precoce

- Chocante. Ousado. Bizarro. Um constrangimento. Estas foram apenas algumas das reações expressadas na mídia americana, nesta sexta-feira, depois da notícia de que o presidente Barack Obama fora nomeado o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2009, pelos seus esforços para fortalecer a cooperação internacional, eliminar as armas nucleares e combater os efeitos nocivos da mudança climática. De acordo com a maioria dos critérios históricos, a entrega do Nobel para Obama parece prematura. O ex-presidente democrata Jimmy Carter, que ajudou a estabelecer um histórico acordo de paz entre Egito e Israel, no final dos anos 1970, só recebeu seu Nobel quase um quarto de século depois, e para tanto foram levadas em consideração as realizações de toda a sua vida. Os premiados costumam apresentar um extenso currículo de conquistas relevantes no estabelecimento da paz, seja em decorrência de seu impacto geopolítico ou de seu trabalho entre os mais pobres, como no caso de Madre Teresa, premiada em 1979. O próprio presidente Obama disse não "merecer" o prêmio, mas prometeu usá-lo para reforçar seu ímpeto na defesa da paz e do meio ambiente. Questões políticas frequentemente influenciaram o processo decisório do Nobel da Paz, produzindo resultados por vezes estranhos. O secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger e o representante norte-vietnamita Le Duc Tho, por exemplo, receberam o prêmio em 1973 pelo seu trabalho no estabelecimento de um acordo de paz entre os dois países beligerantes, apesar da guerra ter durado outros dois anos. Kissinger fora um dos principais arquitetos dela. Le Duc Tho recusou o prêmio. Por outro lado, o bispo brasileiro Dom Hélder Câmara ajudou a fundar a Igreja dos Pobres e denunciou corajosamente a prática da tortura pelo regime militar, apenas para ter sua indicação ao Nobel vetada pelos diplomatas brasileiros, durante os "anos de chumbo" do governo do general Médici. Desta vez o comitê do Nobel está apostando na capacidade de Obama transformar a retórica do diálogo e da paz em força propulsora de mudanças reais, em nível global, e sobre seus resultados. Os membros do comitê projetaram o anúncio da premiação como uma maneira de aumentar o embalo desta força. Um prêmio em si e por si não é capaz de fazer coisa alguma. O comitê também escolheu Obama em parte por causa da sua grande popularidade em todo o mundo (apesar de que esta vem recuando dentro dos EUA) e do status de astro da mídia. Neste sentido os responsáveis pela premiação sucumbiram diante do próprio fenômeno que alçou BarackObama ao poder: a "celebritização" da política e de seus líderes num mundo que, seguindo o exemplo dos EUA, bem como da sua cultura de iPhones e YouTube, sofre cada vez mais de uma obsessão pelas celebridades. Trata-se de uma doença psicossocial na qual as pessoas encontram satisfação por meio de imagens e sons transmitidos eletronicamente, e não por meio das relações humanas reais. Você não é você, mas a sua imagem. Para aqueles que sofrem deste mal, os valores e as realizações concretas são irrelevantes, ou mesmo empecilhos para a idolatria. Falando num tom quase grave, o presidente Obama pareceu reconhecer o absurdo da situação ao afirmar que não tinha atingido o patamar de "tantas das personalidades transformadoras que já foram honradas com este prêmio - homens e mulheres cuja corajosa busca pela paz serve de inspiração para mim e para o mundo todo." Ironicamente, o Nobel da Paz foi entregue a Obama no momento em que ele considera a ampliação de uma guerra. A Guerra do Afeganistão, que teve início há oito anos (7 de outubro de 2001), na sequência dos atentados de 11 de setembro, é um ponto crítico para o Exército dos Estados Unidos. Durante semanas, ocorreram discussões acaloradas sobre se presidente deve aumentar em 40 mil o número de soldados, como pediram seus generais - além dos 28 mil que ele autorizou no início do ano. O novo aumento elevaria o total de combatentes a 108 mil. O debate ficou particularmente tenso na penúltima semana, quando Obama se reuniu com congressistas e assessores. Os republicanos e os generais querem os soldados adicionais, enquanto o vice-presidente, Joseph Biden, e os democratas liberais postulam uma estratégia de antiterrorismo reduzida, que centre menos no Afeganistão e mais na ameaça dos terroristas da Al-Qaeda.Por causa desse vaivém sobre a guerra, alguns descreveram Obama como um Hamlet meditando sobre a melhor maneira de agir. A estabilidade do Paquistão está indissociavelmente ligada à questão afegã. O Paquistão é uma potência nuclear que, se cair nas mãos de elementos do Taleban, será um pesadelo de segurança para a região e para o mundo. E assoma a ameaça de um Irã nuclear, com o qual Obama quer dialogar, mas onde um ataque israelense ainda é uma possibilidade forte após a revelação da existência de uma instalação nuclear secreta. Alguns estão chamando a decisão de Obama sobre o Afeganistão de "momento LBJ", em referência ao presidente Lyndon B. Johnson, que ordenou a intensificação na Guerra do Vietnã e se esfalfou durante toda sua administração tentando encontrar uma estratégia mais adequada. Depois que sua popularidade despencou, Johnson desistiu de disputar a reeleição. Como Johnson e outros presidentes em tempo de confrontação, Obama, seja qual for a sua decisão, poderá ver-se obrigado a tomar decisões de guerra cotidianamente. Se a situação no Afeganistão se arrastar de maneira malsucedida ou simplesmente sem um desfecho claro, isto definirá o legado deste presidente e talvez até o impeça de obter um segundo mandato. O Vietnã tornou-se uma espécie de maldição para LBJ, e Robert McNamara, seu secretário da Defesa, foi para o túmulo atormentado pelo papel que desempenhou em um dos conflitos mais desmoralizantes da história americana. Resolver a agenda internacional de hoje está além de ter uma imagem de sucesso. Se Obama puder ajudar a promover um Afeganistão e um Paquistão pacíficos, estáveis e sem terror, ele terá muito mais que um Nobel da Paz pela frente. Terá um lugar na História. Mas se falhar, seu prêmio - e talvez seu governo - poderá ser lembrado como nota de rodapé. Kenneth Serbin

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